Você ta ficando mais pobre sem perceber.
A moeda de troca do século e as negociações invisíveis
A vida nesse ano teve um tempo bem diferente do que eu esperava. As vésperas do legítimo marco do “meio do ano”, percebo que a engrenagem que eu tento dominar é forte e capaz de me engolir em segundos. A essa altura eu gostaria de ter estado mais com as minhas amigas, curtido mais a minha casa, pausado na rotina e contemplado essa vida que a gente constrói com tanta garra diariamente, porque o que adianta essa luta contra o tempo, a lista de afazeres gigante, se não pra pausar e desfrutar de tudo que você foi capaz de conquistar? Vou repetir quantas vezes forem necessárias: meu pai faleceu em 2021 de covid, depois de uma vida inteira de trabalho duro, que me trouxe até aqui, mas que também me afastou de muita convivência com ele. Não sei os sonhos que ele tinha, não tivemos muito tempo pra falar sobre isso, mas tenho completa ciência de que ele viveu cada segundo pra garantir uma velhice confortável, da qual não vamos brindar lado a lado. O fruto de uma vida de trabalho não virou herança gorda, mal devo conseguir comprar um carro com o que fica, mas o legado é grande, palpável e eu tenho me segurado nele com unhas e dentes. Sofro com problemas de memória, então a repetição pra mim é uma garantia de registrar profundamente, por isso todo dia penso nisso, penso nele, pauso em qualquer minuto pra brincar com o meu filhote novo, ou me contorço inteira pra comparecer na aula de cerâmica. O maior luxo da minha vida é pausar, ser, contemplar, e essa também é a minha herança.
Porque é tão difícil resistir à velocidade do mundo? Porque esse controle do nosso tempo fica a cargo do dinheiro. É ele quem compra paz, calma, felicidade. Parece cético, mas é apenas a realidade. Ele não compra nada disso, mas compra tempo, e com o tempo eu sou capaz de achar a paz, que não existe quando me debato entre os boletos, a pressão da performance ou a responsabilidade da existência adulta. A maior moeda já inventada é invisível, e enquanto você não perceber isso, mais pobre fica. As pessoas ao redor não perceberam ainda, mas elas também estão nessa grande transação da troca de minutos uns com os outros, sempre buscando roubar o que você tem disponível, pra que elas tenham mais pra si. Não é nada maquiavélico, é apenas todos nós no jogo da vida! A gente tenta fazer com que as pessoas trabalhem pra que a nossa vida seja facilitada e que não gastemos o nosso tempo com as coisas, sobrando tempo pra viver a vida. E por isso tem sido cada dia mais difícil digerir o limite das relações, e refletir sobre tem me gastado uma energia sem tamanho, justamente porque meus olhos estão abertos e eu entendi, entendi que todo o tempo que eu vendo ou dou pras pessoas, pro trabalho, pras mídias ou pra ansiedade tem um preço pra mim mesma. Um valor caríssimo que eu não consigo mais pagar, porque uma vez que você vê, não é mais capaz de desver.
Minha missão da semana passada: diminuir drasticamente meu tempo de tela e repensar como fazer meu trabalho sem ser pelo telefone. 34% não é muito mas confesso que já é incrível pra mim. Já bati DEZ horas nesse aparelho e morro de vergonha disso.
Um dia desses ouvindo o meu podcast do coração, pensei no tempo que eu realmente trabalho no meu telefone, e o tempo que deixo que ele me anestesie dessa corrida incessante. Uma das coisas mais maravilhosas que aprendi, colocando em termos simples, foi que a gente não tem dopamina infinita, todos os dias a gente tem uma “parcelinha” ali pra gastar, e que se você acorda e gasta ela no seu telefone, não vai conseguir sentir satisfação com a vida real, porque esse hormônio do prazer acabou. Você gastou ele ali nas suas quatro horas rolando a tela e vendo coisas e vidas maravilhosas acontecendo. Quando chega a hora de viver a sua lá fora, só resta uma constante: não sentimos pico de nada, não tem satisfação, não tem felicidade. Sabe quando o final de semana chega e você simplesmente não sai da cama? Assiste seriados, filmes e passa a tela do celular sem fim, e pensa que merece essa “pausa” porque está exausto da semana? Marca as coisas com os amigos mas inventa desculpas, se arrepende? Você não tá exausto, você foi anestesiado e tá preso na armadilha do tempo perdido. Esse cansaço é do estímulo constante de domapina das telas, e quando você finalmente pausa, não tem vontade de nada, se sente entediado. Seu cérebro inclusive te pede pra pegar o aparelho de novo. Já reparou que a gente não assiste um filme inteiro sem olhar o celular? Somos a geração da exaustão e frustração, porque nosso corpo não aguenta mais, a troca de tempo entre viver e observar exauriu nossos sonhos, nossa esperança, nossa vontade. E isso se desdobra em tantos aspectos, que nem consigo abordar todos aqui, mas um deles me pega de jeito: a gente ta deixando de curtir pra televisionar? Um dos maiores aprendizados que tive esse ano, foi como fazer conteúdo de forma orgânica, sem comprometer minha experiência e sem demandar tempo pra alimentar as redes. Eu não me dedicava a criar tantos vídeos e outros porque em diversas situações não queria deixar de viver pra postar, porque convenhamos, isso não faz nenhum sentido! Tenho pensado demais no que estou perdendo pra por conteúdo numa rede sabe? Esses dias assisti uma entrevista do Vintage Culture, um dos maiores DJ's de música eletrônica do país, falar de como o celular fez com as pessoas parassem de curtir as festas e é exatamente isso! Quero fazer cerâmica mas nossa! Achar agenda, pagar caro, dirigir até la, me sujar, comprar argila e quando chegar la vou fazer tudo virar conteúdo? Ja me deixou cansada. Sabe o que também parece mais fácil? Sentar e ver pessoas fazendo coisas lindas e salvando pra um dia fazer. O que você acha que vai me da satisfação imediata? Observar. E o que é preciso aprender? Apenas viver. Vou chegar la? Não sei, mas tenho sentido que sim.
Nisso me vi em uma sinuca de bico: preciso trabalhar como nunca, mas não aceito perder meu tempo de vida pras telas. Não quero mais passar pano pra mim mesma porque trabalho com redes sociais, então justifico a quantidades de horas absurdas que passo no celular resolvendo problema, como algo normal. A verdade é que o aparelho é um facilitador na minha vida, porque sou capaz de trabalhar de absolutamente qualquer lugar, mas essa é a maldição também. Eu posso trabalhar de qualquer lugar! De um café ao invés de tomar café, da Chapada ao invés de estar na cachoeira, na minha casa “com os meus filhos” mas em conversa com clientes. Inclusive, que grande cilada!!! Eu tenho mais tempo com os meus filhos que a minha mãe jamais terá comigo nessa vida, mas será mesmo que estou presente? Será que quando eles falam comigo em uma segunda de manhã, eu estou olhando eles nos olhos deles ou apenas ouvindo e enviando uma nota fiscal pro cliente? Que grande mentira eu vivi quando internalizei que era dona do meu tempo e podia trabalhar de qualquer lugar! Eu assinei um contrato com o inimigo e achei que era a salvação. Eu tenho uma vida tão maravilhosa que não sei como agradecer a Deus por tanto, mas tô aqui deixando ela se desenrolar na minha visão periférica, enquanto eu cedo pra negociação do meu tempo com outras pessoas ou observo elas vivendo a vida. Não faz sentido.
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Das maiores riquezas que tenho desfrutado, o tempo de pausa e de celebração da vida ordinária, é a maior delas.
O mais difícil é que esse devaneio não acaba aqui, não acaba hoje. Ele é profundo, transformador e um impasse, por inúmeros motivos. Eu sou influenciadora, crio conteúdo pras redes e me pergunto se deveria continuar roubando o seu tempo que me assiste. Pelo menos a essa altura eu finalmente cheguei na melhor equação da minha vida: levo segundos pra gravar coisas legais, não tenho vergonha de fazer em público e edito com as mãos nas costas! Já não gasto muito tempo pra compartilhar, e isso me permite continuar dividindo o que gosto sem comprometer tanto o meu tempo, mas compromete o seu que abre cada conteúdo e permanece ali por minutos a fio. Por isso cada vez mais bato na tecla de seguir apenas quem você tem conexão e te faz bem e limitar o tempo que se dedica pra isso. Outro grande motivo é que sou gestora de diversas contas de redes sociais, profissionalmente, e isso significa que estou alimentando mais uma vez, não apenas as redes, mas mais ainda: o desejo de consumo das pessoas. Tento fazer isso com leveza, interessância e uma dose princípios (mesmo que isso signifique bater de frente com algumas ideias do mercado), mas o que me massacra é a relação com o tempo do outro.
As mensagens fora do horário comercial se tornaram comuns, como se o trabalho fosse passível de ser executado a qualquer hora, incluindo mensagens aos finais de semana e cobranças após as 23h. A informalidade da minha profissão gerou na clientela a sensação de que não existem processos (ou até mesmo limites), ou que a existência deles são apenas um capricho meu ou ainda, uma chatice. A imposição dos meus limites é incômoda, porque quando digo que meu tempo não está a disposição, um estranhamento acontece. Percebi que as pessoas não conseguem lidar com quem desenha a linha e explica onde não vão atravessar! Nas últimas semanas instalei um app que transcreve todos os áudios do whatsapp, porque me cansei de avisar que não ouço áudios. Se é urgente você me liga, se não é você escreve pra que eu possa ler. O que é fácil pra você fazer, bagunça a minha vida e atrasa a minha entrega. Perco demandas e informações importantes em áudios e não atendo como deveria, pois não posso sacar o meu telefone em qualquer lugar e colocar ele no ouvido, enquanto fotografo por exemplo. Imagine eu estar fotografando o seu restaurante com o telefone na orelha? Como você ia se sentir? E como você se sente quando eu não lhe respondo em minutos? Ou não ouço seu áudio? É contraditório esse paralelo entre um e outro? Esse abençoado desse app causou discórdia, incomodo e me colocou como chata, engraçado né? Ele transcreve na mesma hora, na janela da conversa, tudo que a pessoa falou, não é maravilhoso? Aparentemente não. Coloquei também mensagem automática após as 18h e aos finais de semana. Adivinha? Arrogante, porque quero viver minha vida. Tudo isso porque o desequilíbrio entre eu ceder o tempo sem ponderar foi cortado, mas principalmente porque a coragem de priorizar a coisa mais importante do mundo (que não é servir o outro com o seu trabalho), quebra as pernas de quem acredita que você existe apenas pra isso. Ou que tem se visto nessa mesma situação ansiosa com a falta de limites alheios e não consegue dizer chega.
A felicidade é o maior ato de resistência e coragem que existe, porque levantar e decidir fazer tudo aquilo que te transborda, é um lembrete duríssimo pra quem ainda não conseguiu fazer o mesmo. Eu cansei de ver a vida das redes e sentir vontade de viver ela, porque eu posso hoje ainda viver tudo isso, se eu souber ponderar o que é prioridade e o que é urgente. E esse luxo não é só meu! Ele é direito de absolutamente cada um de nós! Do porteiro até o dono do seu prédio. O seu marceneiro não tem que te responder após as 18h, porque agora ele deveria estar com a família dele, ou bebendo a cachaça merecida com os amigos. Você não pode querer viver a sua vida dos sonhos às custas da vida dos sonhos das pessoas, e não adianta, as coisas só mudam quando a gente decide que chegou a hora. Quando você passa a ser mais empático que combativo. E eu juro por Deus que essa é a missão mais difícil que meu coração ja se aventurou, porque eu tenho raiva de quem me manda mensagem no sábado 10h pra me pedir um arquivo que você poderia ter pedido a semana toda, e eu tento não carregar nada negativo, me lembrar que a vida foi construída pra gente encher cada brecha com lógica, ação, trabalho ou performance, e que as pessoas que não tem limites estão apenas seguindo a lógica imposta à eles. Só que eu não sou agente educadora, não vou evangelizar o mundo, não vou te cobrar absolutamente nada, mas não vou te dar o meu ouro. Meu tempo precisa ser pra olhar nos olhos dos meus filhos na hora do almoço, porque não sou medica intensivista, sua vida não depende do que eu faço, nada é tão urgente, eu sou apenas uma empresária. Por isso me pergunto:
Porque você tem tanta urgência em qualquer coisa que não a sua própria felicidade?
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio
Beijos, até semana que vem!
Te indico de olhos e ouvidos bem abertos
Zap Luz
O app que transcreve tudo pra você! Esse foi o salvador da minha vida nas últimas semanas. Se você recebe muita áudios de clientes ou de pessoas chatas, ele é o máximo! Você tem 45 minutos gratuitos por mês e basta instalar rapidinho no seu WhatsApp. ENJOY!
Releia!
Esse Devaneio foi todo sobre áudios e como eles são chatos e irritantes, mas além disso, sobre como você pode estar perdendo oportunidade de troca com os seus amigos por causa deles. Se não leu, vale a pena! Se já leu, vai que reler ajuda.
thamires meu bem, que ALEGRIA (sei lá se tem mais palavra pra encaixar) dividir o mesmo momento de mundo que você.
que newsletter forte, necessária, mexeu tanto aqui.
você é luz!
Adorei e odiei me identificar em mtos níveis 🥲
Aproveito pra fazer uma indicação não solicitada de um bot chamado “vira texto” que não te cobra nadinha e transcreve seus áudios direto no WhatsApp (até traduz alguns áudios em espanhol - o idioma que tentei rs)
👋🏻✨