Se eu nunca te contei isso antes, além de fotógrafa de comida, eu tenho uma empresa de comunicação pra restaurantes. Me pareceu natural investir nessa área já que tô diariamente dentro das cozinhas e trocando com os chefs e donos. De uma forma bem resumida, eu gerencio o marketing digital das redes sociais, alimentando diariamente com conteúdo de qualidade e que transmita o valor agregado dos produtos e pratos. Uns seis anos atrás, quando expandi meus serviços e criei esse braço, alimentar o Instagram ou Facebook era coisa simples, até então só existia foto. Nada de vídeo, stories, reels e algoritmo. Bastava você criar belas imagens e direcionar pro público certo que naturalmente se via o perfil crescer e mais pessoas irem até o estabelecimento. Nessa época eu falava muito com os donos pra ter ideias coesas, investia na fotografia e fazia um trabalho direcionado ao escrever as legendas, nada mais. Não existia a pressão da performance e nem dos resultados imediatos. Tudo era bem equilibrado! Eu fazia foto de comida por ai e pra alguns deles eu fazia as postagens. A medida que as plataformas evoluíram, as mídias foram variando e todo mundo resolveu que queria viralizar, tudo se perdeu!
O que antigamente era um serviço de marketing, hoje é uma guerra declarada de alcance, engajamento e quem tem mais dinheiro pra investir em tráfego. Paralelo à isso, vejo criadores de conteúdos sofrendo pra seguirem criando, mesmo que influenciados pelas desnecessárias trends que amputam a criatividade e identidade dos profissionais. O pior de tudo isso, pra mim, não é as redes sociais, porque quem trabalha com isso aprende a dançar conforme a dança, mas a loucura que as pessoas abraçaram com a mudança drástica da auto-promoção nas redes. Algum momento entre a mudança de algoritmo e a ascensão do vídeo, a etiqueta se perdeu pra dar espaço aos desejos imediatos das pessoas. Se em um mundo globalizado o único tempo é o hoje, não seria diferente quando falamos de clientes e suas demandas. Eles querem copiar o vídeo do concorrente que já bateu um milhão de views, querem que você solte uma promoção agora porque a compra de salmão veio errada, te pedem pra postar alguma coisa porque a loja está vazia. O que todos esses exemplos reais tem em comum? A expectativa de resultados imediatos e o desejo de que estejamos à disposição, vinte quatro horas por dia, sete dias por semana. Já recebi mensagem duas da manhã com pedidos, e cobrança de que estejam feitos às oito do dia seguinte, ou seja, em seis horas da madrugada. Já teve áudio às onze da noite, pedidos no dia do natal e tantos outros que gastaria esse devaneio todo contando. Nos últimos anos eu vivi uma quantidade abusiva de desrespeito por parte das pessoas que esquecem que serviços são prestados por pessoas, que comem, dormem e precisam de paz.
Imagina, perder tudo isso pra ficar no bate-papo corporativo?
Por causa dessa crescente demanda, eu criei uma aversão ao whatsapp. Eu achava que era algo de quem estava constantemente com abas abertas e queria responder as pessoas depois pra que fosse mais atencioso, mas não, é vontade de nunca mais responder ninguém. Eu sinto falta dos emails explicativos, das demandas esclarecidas em etapas e de não ouvir um áudio sequer. Tive um cliente ano passado que se recusava a escrever. Todos os dias eu e o meu time recebíamos pelo menos seis áudios dele com pedidos variados. Todo mundo sabe que o áudio foi feito pra “facilitar” a vida de quem envia e acabar com a de quem recebe. Quando falamos de trabalho, ele dificulta os processos, não registra por escrito coisas importantes, e passa a ser ouvido quando possível, ou seja, se é urgente, vai passar direto. O problema é que não existe como lutar contra um país inteiro. Sim, inteiro, porque o Brasil está 99% online no whatsapp, o que é absolutamente chocante. Apenas um por cento dos brasileiros não estão na plataforma! 95% das empresas brasileiras estão no whatsapp. Quando questionados a resposta é universal: pra dar respostas mais rápidas para os consumidores. A velocidade do mundo é uma só, vamos todos nos adaptar.
Nessa matéria maravilhosa pra Veja, o Walcyr Carrasco fala uma das coisas que mais gosto quando penso nessa atual dinâmica: “O WhatsApp é invasivo. É como se alguém entrasse na minha sala, se sentasse no sofá e exigisse toda a atenção. Sem nem querer saber se estou disponível.” E meu Deus como isso é real! E como a gente se deixa ser distorcido pela necessidade alheia, pelo tempo do mundo moderno, pelas necessidades externas. Eu tenho um hábito horroroso, admito, e levei a maior chamada de atenção do meu filho de oito anos na quarta passada. De manhã após o café, eu mando mensagem pro meu time, dou bom dia, falo dos nossos objetivos e vou viver essa parte do dia. Faço o café das crianças, malho, faço o dever de casa com eles, faço o almoço e aqui e ali respondo uma mensagem ou outra de trabalho. Na hora de levar eles pra escola, meu noivo dirige e começa o turno intenso do trabalho! Só que infelizmente eu criei esse hábito tenebroso de começar ele no carro, porque quando sento no computador, uma hora depois, já falei com todos e estou livre pra trabalhar de fato, ao invés de estar coletando pedidos e informações em grupos de trabalho diversos. Tento otimizar o tempo com o meu motorista 5 estrelas favorito, mas meus filhos estão ali no banco de trás tagarelando igual mãe e pedindo atenção. Tem coisa pior que competir por atenção com o celular de alguém? Eu preciso parar! Só que se eu já deixo mensagens pra trás, já “respondo” tarde demais, vou apenas agravar o meu problema de adaptação à esse sistema onde todo mundo vive na emergência das suas mensagens. Só que meus filhos valem mais a pena que isso, não vejo mais alternativa. A balança me é clara!
Depois de praticamente regurgitar o caos do whatsapp aqui eu queria te dizer que:
Seus amigos são mais interessantes fora do bate-papo. Eles tem uma voz gostosa, longas histórias pra contar e você jamais vai ver se eles estão de fato bem se aceitar receber um “tudo certo” pelo chat. Ligações de quem se ama são especiais e encontros são bem vindos pra saber sobre aquela viagem que eles fizeram.
Áudios só são permitidos em relações que essa dinâmica foi estabelecida entre as duas partes, como a sua melhor amiga ou a sua mãe, de resto, não fale, escreva. O app foi feito para a escrita, especialmente se estamos falando de trabalho. Se está com preguiça de escrever, problema seu! Se está dirigindo, largue o aparelho porque o áudio não é mais seguro que digitar, ok? Pergunte ao Detran! Dica bônus: no seu teclado você pode falar que ele escrever pra você, uma mágica!
Figurinhas são bacanérrimas quando compartilhadas com quem se tem liberdade. Elas não são uma forma de aproximação ou de mudança de clima em ambiente corporativos. Não mande!
Nem todo mundo trabalha pelo whatsapp. Sim, parece surpreendente mas ainda tem gente que usa o e-mail. Então não torça o nariz quando a pessoa te pede pra encaminhar tal questão por email. Isso é absolutamente normal.
Ninguém esta 24h online! É possível responder uma mensagem e ir tomar banho, passear, ver tv. A vida está fora do celular! É uma emergência? Precisa de uma decisão rápida? Tem 145 anos que existe a ligação.
Tá se metendo em discordância todo dia? Precisa rever a sua interpretação de texto. Todo dia uma avalanche por causa da pressa, da falta de tom. Se é delicado, ligue pra que não exista dúvidas! E leia as coisas sem estar dirigindo, ajuda também.
Ninguém precisa de mais grupos. Repense se esse será útil antes de sair colocando um monte de gente nessa situação constrangedora de estar em um lugar que não se deseja e que pra sair vai precisar ter uma conversa que não queria.
Ser dedo duro é horroroso! Pare de mandar print das pessoas por ai. Fofoca é um hábito tenebroso!
Por fim, vou seguir acessível pelo meu whatsapp mas vou tratar ele com a mesma normalidade de antes, talvez pior (ou melhor, depende do ângulo). Te respondo assim que possível, das seis da tarde às oito da manhã não trabalho, finais de semana não existo e pra gente mal educada não forneço orçamento. Pros amigos vou estar mais disponível, pros meninos mais presente e a vida aqui fora recheada de coisa boa. Parece menos profissional pra você? Pra mim também não.
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Beijos, não me mande áudios. Até segunda!
Te indico de olhos e ouvidos bem abertos
Comida Além do Prato
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Chega de deixar a urgência dos outros atravessarem e perturbarem nosso caminho! Texto lindo <3
A pergunta que tenho há tempos..... por que não há a opção, semelhante do email, de programar o envio da mensagem do whastapp?
Alivia quem não quer esquecer de algo, e garante respeito a quem vai receber.
Você escreve lindamente. parabéns.