O tempo como conhecíamos mudou. Sim, estamos vivendo o rebranding do tempo. A pobreza é a ladra do tempo, mesmo que isso mexa com as suas entranhas, é na pobreza que se abre mão de tudo aquilo que a vida tem pra proporcionar, quando desfrutada com calma. Quem não tem o que comer na mesa, sacrifica seu tempo em troca de pouco. Pais e mães não assistem seus filhos irem pra escola. Esses pegam o ônibus na calada da noite, muitas vezes acompanhados dos pais indo pro trabalho. Não tem apresentação do dia das mães, dever de casa juntos, conversas durante o jantar. Aquele que não tem dinheiro, desfaz do seu tempo em vida atrás da moeda que promete mudar tudo, mas que atualmente te engana a consumir mais do que você precisa, te trazendo um outro tipo de escassez: a de significado. Significado é uma conversa pra privilegiados, quem tem boca pra alimentar com salário mínimo não tem tempo nem mesmo pra entrar nessa conversa. Se o presente pode ser tão duro, o que molda um futuro melhor? Mais uma vez, o tempo. A ascensão econômica é um objetivo universal se você nasceu entre 1980 e os anos 2000. O esforço diário, o estudo, as longas horas de dedicação: sacrificamos tempo por dinheiro porque entendemos ele como garantia de qualidade de vida, mas ninguém nos ensinou a parar.
A roda gira rápido demais pra te fazer notar. “Continue forte”, “você consegue”, “é só uma fase”, “os vinte anos são pra isso mesmo”, “foco no prêmio”, “o sucesso tá no esforço”. Ninguém fala da moeda invisível, da qual o valor se torna incalculável por sua miséria. Quando sabemos que temos dinheiro suficiente pra parar de desperdiçar o tempo? Já te falaram que quanto mais você ganha, mais você gasta? Acha que é coincidência que queremos cada vez mais coisas, mais qualidade, mais status? A roda gira rápido demais pra te fazer notar. Já parou pra se perguntar o que você tanto corre atrás pra alcançar?
Você acorda e já pensa no café da manhã, ali no preparo do seu café a lista mental do dia ja atravessa a sua mente, enquanto come você antecipa o trajeto, durante o deslocamento você pensa nas demandas do trabalho, no trabalho você deseja a pausa do jantar, no jantar você não vê a hora de chegar na cama, na cama você teme o próximo dia. Que horas você esteve presente? Nós não aprendemos a estar aqui, porque o aprendizado vem com o exemplo, e onde nossos pais estavam? Minha mãe sempre esteve fora, em jornadas longas. Não é preciso ser um gênio pra saber que o bem estar mental de uma criança depende da presença dos pais. São estudos que afirmam que ter eles por perto transforma a percepção que temos da vida, da auto estima, da confiança, da ansiedade e tantos outros. Sabe o que aconteceu com a geração que via os pais no café e no jantar? Eles vivem a vida no modo acelerado, porque aprenderam que a produtividade é o único meio para o fim, e que não merecem descanso, desfrute ou pausa. Isso não é resultado apenas de uma criação ausente, mas também dessa globalização desenfreada que nos levou a crer que precisamos estar ativamente aprendendo, construindo e melhorando 24 horas por dia!
Esse mês segui controlando meu tempo de tela, cheguei até a instalar um app maravilhoso que trava tudo aquilo que me distrai. Na maioria dos dias eu não peguei tanto assim no telefone, mas pasme, quase não alterou o tempo total. Depois de vários dias, eu ja indignada com o meu esforço sem resultado, fui fazer uma auto análise e voilá! Eu simplesmente não consigo me permitir descansar entre uma tarefa e outra. Pego meu telefone quase que obsessivamente pra checar se tenho alguma demanda, email ou se deixei passar algo nas minhas listas. Gasto tempo do meu dia atoa pra me sentir produtiva. Batalhei pra ter uma vida onde sou dona do meu tempo, com uma rotina recheada de possibilidades pra ser leve e simplesmente não consigo aproveitar isso. Sinto como se estivesse o tempo todo sob aviso, plantão de alerta, segurando a respiração até conseguir passar pra próxima coisa que pede minha atenção no trabalho. Meu dia é bem dividido, trabalho tranquilamente 10h por dia, tenho um fluxo estabelecido com meu time e me sobra tempo pra academia, pisar na grama do jardim a tarde, preparar as refeições, ler um livro ou tirar uma soneca pós almoço. Até mesmo no almoço me policio. O que seria de mim sem filhos? Por eles deixo o telefone longe, mas as vezes, a depender do dia no trabalho, queria mesmo estar respondendo algumas mensagens ou pesquisando algumas referências. A troco de que? Porque eu não consigo naturalizar que eu posso ler um capítulo do meu livro, tomar um sol ou até sair pra ir ao parque? Até pra escrever esse devaneio pra você eu penso “vão achar que não trabalho”. Pra te dizer que posso fazer essas pausas no meu dia, precisei escrever ali em cima “10h por dia” pra reafirmar o meu valor e não passar como vagabunda, que é a percepção que temos das pessoas que tiram uma soneca após o almoço, mergulham antes do pôr do sol ou leem um livro à tarde entre um respiro e outro. Me sinto presa por dentro, sem racionalizar era como se eu estivesse vivendo uma luta física diariamente: mente acelerada à procura da próxima tarefa, ideia, texto, pesquisa, moodboard que preencha meu tempo de forma produtiva pra que eu tenha valor. Eu sei que não estou sozinha, porque 65% dos brasileiros não tem tempo livre na semana, e não é só porque estamos arrumando a casa ou gastando 2h por dia no trânsito.
24% dos dos brasileiros dedicam tempo pra atividades físicas
15% leem livros
21% dedicam-se às relações amorosas ou sexuais
14% curtem o ócio
11% meditam
11% encontram os amigos
7% vão à igreja
Releia esses números e P A S M E.
Tá, e o rebranding do tempo? Os grandes players do mercado estão compartilhando cada vez menos a sua vida. De maneira mais estratégica as aparições se tornaram esporádicas e um certo ar de mistério tomou conta das grandes contas de criadoras de conteúdo. A vida se torna um lugar mais privado, e o que assistimos são recortes intencionais das mensagens que elas querem passar, dos produtos que precisam vender e do novo movimento que ganha mais força: a vida offline. Se antes a hiperconectividade era aquilo que fazia as pessoas crescerem no online, estar desconectado virou o grande luxo! Enquanto as pessoas seguem sedentas por informações, tendências, fofocas, a vida lá fora toma força, porque eles estão vivenciando o sonho! Tem uma atmosfera muito envolvente em quem parece viver mais do que nós durante a mesma quantidade de horas do dia.
Por que gostamos tanto de acompanhar essas pessoas? Elas são a síntese do que desejamos no íntimo: o futevolei na terça a tarde, a aula de cerâmica durante a semana, o skincare com calma. Os posts de “photo dump” fazem a retrospectiva do que foi vivido silenciosamente, as atividades e hobbies se tornam itens de desejo, as refeições balanceadas, o tempo na academia, o equilíbrio dessas pessoas diante do desejo de ter e o tédio de possuir se torna fascinante. Coisa que estamos pelejando pra entender internamente, quiçá alcançar. Como diria a fatídica frase de uma influencer anos atrás “todos temos as mesmas 24h que a Beyoncé”. Será mesmo? Pessoas vivendo coisas incríveis enquanto a maioria de nós está enfurnado em escritórios, trabalhando presencialmente de novo e sendo iludidos de que a nossa vez vai chegar, coisa da meritocracia. Esquecemos da pobreza que dita o aproveitamento do tempo, da divisão que acontece naturalmente por causa do gênero, cor da pele, bairro que moramos, acesso à educação ou saneamento básico e uma longa lista relevante de fatores que determina quanto tempo temos pra viver lá fora.






A vida off que eu amo dá um trabalho danado!
E como a gente se liberta pra usufruir do offline também? Como a gente pára de assistir e passa a viver? É possível se organizar pra isso ou estão vendendo mais um sonho inalcançável? Bom, se você já leu alguns devaneios, deve saber que eh acredito e luto todos os dias pra tornar a vida real. Eu sei que é possível trazer mais tempo e presença pros nossos dias, mas isso requer vigilância e disciplina, porque a roda gira rápido demais e você não percebe que já tá lá de volta nela. Não existe fórmula que apenas alguns conhecem, você e eu podemos de forma presente mudar esse jogo e participar do rebranding como projeto de vida, afinal, tudo que vale a pena existe lá fora! Podemos criar formas de burlar as exigências da vida profissional, da escassez mental, da nossa constante desculpa de falta de grana ou motivação pra ser feliz. Eu tenho cada vez mais me dedicado a pesquisar e viver isso, por isso reuni aqui o que eu acredito que me ajuda e possa te ajudar nesse processo:
DESLIGUE
O maior dos vícios é o que mais rouba seu tempo de vida, tu sabe! Esse papo tá batido mas mesmo sabendo sigo lutando, e você? Você tá lutando de verdade ou tá se deixando levar? Lembra que constância não tem nada a ver com sucesso ou resultado. Hoje você conseguiu e ontem não? Já tá bom demais! Novo dia, nova chance. Se sentir que tá fracassando, pensa nesse gráfico aqui:
Precisamos achar uma forma de se desligar das telas, e meu Deus como é complexo isso. Vou bater nessa tecla enquanto eu puder porque sei como isso rouba tempo e vida de nós! Faça um calendário de pausas pro seu dia, tente assistir redes sociais, jogos ou, seja lá o que te rouba atenção, só nessas horas. Tenho usado um app chamado Opal que bloqueia tudo e me ajuda a dividir esses blocos! Diminui 3h de tela essa semana e finalmente feliz porque me senti de novo lá em dezembro quando liquidei mais que isso, só que agora durante o trabalho e não em recesso! Vale a pena tentar ✨ Onde você coloca seu tempo, você coloca a sua vida.
PLANEJE LAZER
A gente precisa planejar o lazer tão seriamente quanto planejamos os médicos, compromissos burocráticos, trabalho ou viagens de férias. O que você vai fazer na semana pra respirar e sentir que viveu o seu dia? E no final de semana, qual a programação, que amigos vai rever? Faça planos concretos e coloque na sua agenda, mande convite pros amigos confirmarem e vamos normalizar o lazer como compromisso sério e real que precisamos pra viver bem! Além de você criar uma janela garantida pra viver o off-line, você cresce a expectativa, cria uma espera saudável, coloca intenção nos planos, tira ideias do papel e celebra aquele lugar infantil em nós de esperar por algo incrível que vem aí. Sua semana vai ser inclusive mais gostosa com esse compromisso na agenda.
ALIVIE A CARGA
Refaça a divisão de tarefas na sua casa! Dificilmente vivemos em equilíbrio no nosso lar. Não tenha vergonha de rever combinados e falar abertamente sobre a sua frustração de não ter tempo pra si. A gente enraizou que tem obrigações inegociáveis, quando na verdade isso é apenas um parâmetro que estabelecemos sem pensar demais. Se você não colocar o seu ponto de vista na mesa, ninguém vai adivinhar. Você quer tempo pra ir naquela aula durante a semana? Existe uma forma de melhorar a dinâmica onde sobre mais tempo pra que isso aconteça, lembrando que mulheres gastam em média 2h30 por dia só com a casa, um tempo que uma vez por semana pode sim ser redirecionado pra si mesma. Uma pessoa que realiza desejos e sonhos, é um ser humano mais feliz, mais fácil de conviver e mais harmônico no seu próprio lar. Muitas das desavenças que criamos em casa tem muito a ver com nossas frustrações internas. Construir esse espaço com quem convive com você, é ampliar a nossa noção de cuidado e comunidade. Morar na mesma casa é uma relação colaborativa linda que merece manutenção. Seja com parceiros ou parceiras, filhos, pai e mãe. Todos podem buscar ser mais felizes e precisam de ajuda pra isso.
ROMANTIZE O TRIVIAL
Fazer o jantar no final de um dia longo de trabalho, com dois adolescentes famintos, em dias que esqueci de tirar uma carne pra descongelar e ainda com cólica, é a minha definição de pesadelo do cotidiano. Depois que comecei a fazer jantares temáticos e chamar todo mundo pra cozinhar com música e tranquilidade, a rotina passou a pesar bem menos. Entendi que as tarefas mais difíceis da rotina precisam de leveza e isso cabe a nós transformar. Adiciona uma playlist, conversa com todo mundo, arruma com capricho a roupa, o lugar, o que seja. Se você tá passando ódio com a roupa pra estender, coloca um podcast, compra um cheiro novo pra passar nos lençóis, arruma a lavanderia como se ela fosse o lugar mais lindo da casa. Você precisa viver com mais alegria! Nós quem transformamos a rotina no massacre, justamente porque fazemos as tarefas pensando que queremos estar em outro lugar. E se você parar de resistir e começar a se entregar? Tem muita alegria em poder fazer a própria cama, lavar a própria louça, fazer a sua refeição. Faça valer a pena!
PENSE NA GRANA
Não adianta, planejamento financeiro parece uma realidade distante pra uma população que nunca recebeu educação e é usada como massa de manobra pra rico, mas você precisa se planejar, porque o que te rouba tempo é se colocar o tempo todo como trabalhadora, porque acredita que essa é sua única função na terra. A cenoura na frente do coelho funciona assim: você não tem grana, precisa trabalhar pra pagar as contas, com tanto trabalho não te sobra tempo pra fazer nada, sem fazer nada você passa a se questionar se tudo faz sentido e coloca a grana em outros lugares desnecessários pra satisfazer a sua frustração diante do que nunca alcança. A gente trabalha tanto e se dá tão pouco lazer e leveza, que começa a se premiar pela falta de tempo com comida, roupa, coisas lindas pra uma casa que talvez você nem usufrua. Você pode melhorar seu planejamento financeiro pra ter pausa? Pagar a viagem que tanto sonha? Fazer aquele curso? Se inscrever no hobby do desejo? Trabalhar com objetivo e entendendo o que drena nossa grana e nossa energia ajuda a gente a viver o off-line com mais clareza porque para de correr atrás da cenouras! Você não merece trocar seu guarda-roupa a cada nova trend, você merece viver experiências que te transformem e te lembrem o porquê estamos nesse vidão!
SEJA INTENCIONAL
Tem uma frase fantástica da autora Laurie Buchanan onde ela diz “Whatever you are not changing, You are choosing.” em tradução livre: o que você não está mudando, você está escolhendo. Não existe nada mais poderoso que o poder da escolha e da decisão. Uma vez que temos a capacidade de escolher certos aspectos da nossa vida, isso nos presenteia com a possibilidade de nos retirarmos de situações que não queremos, pra estar onde acreditamos ser melhor. Quando você decide, ou seja, quando você estabelece pra si um compromisso de mudança, sua mente muda, seu corpo acompanha e tudo aquilo que te rodeia, se transforma diante dos seus olhos. A sua vida é hoje, e ela não merece que você não seja intencional com os seus sonhos, seu espaço, seu corpo, seu tempo. Ela te foi dada pra que a cada dia você possa desfrutar da alegria que é estar vivo, se realizar, amar, querer bem e construir. Seja intencional com a sua vida, com o seu caminho, com o seu dia. Isso é um compromisso silencioso que você pode fazer no seu coração com você mesmo, onde em alguns dias difíceis você vai falhar e aprender sobre o perdão, e em outros você vai se sair tão bem que vai experimentar o que é ter coragem e compromisso. Esteja aqui, agora.
Eu nos desejo força, pra nos fazermos presente na nossa pele, na nossa mente, na nossa casa, nos nossos relacionamentos. Olho pro rebranding do tempo com esperança de que a nova trend de viver offline seja contagiante a ponto de não voltarmos mais a tratar o dia com leviandade. Que seja de uma euforia coletiva tão imensa, que mesmo que o mundo esteja sendo desenhado pra nos roubar as horas do dia, que a resistência seja nossa sombra pra quando falharmos não jogarmos a toalha antes da hora e pra que a nossa mentalidade seja sempre de otimismo pros dias que virão. Eu sou uma sonhadora, mas também uma construtora, e você?
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Até logo.
Obrigada por esse texto, quanta sutileza e miudeza pra dizer o que diz. Encantada! 🥰
Amei!