Quanto mais eu penso sobre o que sinto, mais percebo o quanto ainda preciso crescer. São tempos difíceis pra quem se debruça sobre os seus pensamentos, porque o esgotamento, a variedade de problemas e os obstáculos da vida adulta só tendem a crescer. Se você, assim como eu, racionaliza sobre a sua existência nessa terra, já percebeu que tem muita coisa errada, o tempo inteiro, dentro e fora da gente, e se tentarmos minimamente nos tornarmos pessoas melhores todos os dias, arrumamos mais um emprego de tempo integral. Não me entenda mal, na minha visão essa é a missão, mas como é difícil a gente entender o quanto é humano, como dói olhar pra todas as cagadas que diariamente vamos fazendo por medo, insegurança, dor e raiva também. O final do ano caminha com uma rapidez descomunal, e eu acumulo funções como se estivesse num circo: hoje malabarista, amanhã bailarina e até o final de semana vai ser preciso enfrentar o globo da morte na minha motocicleta, e nem carteira tenho pra isso.
Tive a sorte de reencontrar esse mês uma grande amiga. Ela veio passar uns dias no Brasil, e voltamos pros tempos de antigamente, mensagens de bom dia, livros lidos ao mesmo tempo, saídas espontâneas e companheirismo do melhor tipo que uma amizade sincera pode te trazer. Eu precisava muito disso, mais do que eu imaginava. O engraçado é que antes dela partir, existia um grande abismo entre nós. Não houve briga, não discordamos de nada, ninguém feriu ninguém, pelo menos não intencionalmente, mas nos desencontramos. Por uma fração longa até demais, crescemos em direções opostas e eu senti a falta dela. Sei que ela sentiu a minha falta também, mas a gente não lutou. Não me pergunte porque, mas deixamos esse grande amor se perder, e aqui muita gente falaria que não deveria ser tão grande assim, e é sobre isso que eu quero conversar hoje. Naquela época eu também acreditava nessa baboseira de “quem quer estar ao seu lado faz por onde”, como se nessa vida complexa bastasse querer. Eu quero muita coisa, quero mesmo, com força e coragem, com vontade e ação, mas hoje entendo as agendas da vida adulta, os pesos que nos afastam, os tempos diferentes porque estamos vivendo caminhos distintos, os universos que as vezes não estão mais em sincronia. Entendo que a gente não sustenta tudo e por vezes precisa priorizar a própria luta antes que falhe com tudo e todos. Dói? Muito, mas não tem nada a ver com desejo, e entender isso também é reconhecer as muitas falhas dos nossos conceitos. Eu não entendi o motivo e nem como, nem chegamos a falar sobre isso, porque o amor é um lugar próspero, uma semente que enfrenta tempos gelados mas que volta a crescer se for essa a escolha do nosso coração. Escolher estar de alma presente nesse mês com a Maria me lembrou do que mais importa: eu quero amar, viver, partilhar, o resto não tem vez.



Estar nas últimas semanas com quem eu amo muito e sentir esse perdão mútuo e silencioso, entender o amor que cresce e enfrenta espaços vazios, mudou a minha concepção sobre muita coisa. Primeiro porque entendi que não posso fazer vista grossa pra relações importantes que estão mudando. Tem uma birra infantil ai no meio, uma necessidade de ser escolhida, um medo de abandono, um desejo de controle, a frustração das expectativas que eu mesma criei pra esse relacionamento. Ironicamente, nesse mesmo período, Gabi me escreveu, um “oi, tudo bem por ai?”. Um movimento onde existia uma ferida aberta, porque essa distância tinha nome e sobrenome, eu levantei uma bandeira e sinalizei que precisava de um tempo. Pensei todas as semanas nesse afastamento que eu escolhi, porque não é fácil a gente falar como se sente e seguir a vida. Passados alguns meses ela tentou, e eu achei que seria possível, mas não sustentei, não até juntar as peças e entender que amizades também são como casamentos, pedem crescimento, alinhamento e verdade. Pedem que a gente verbalize com todas as letras tudo que está fora do lugar! Não existe bola de cristal, nem mesmo pra melhores amigas. Quando essa mensagem veio, eu já tinha entendido que minha desistência tem sido sobre não querer mais lutar. Eu passei a vida observando grandes amores se mudarem pra longe, relações mudando, distâncias sendo criadas. E eu tentei por anos até que depois de muitos eventos isolados eu resolvi que chega, eu não quero mais colocar energia em relações que quando eu coloco pouca ou nenhuma energia, morrem. Sabe quando só você procura? Só você convida pro café? Só você partilha seu íntimo, seus sonhos, suas dores? E se você pausa, o silêncio se instala. São essas a que escolhi deixar ir.
Só que nada é tão preto no branco. As pessoas somem sim quando o buraco tá fundo, o tempo tá escasso, a vida tá cobrando muito. Tem quem realmente não vale seu tempo, mas tem que precise de pausa, respiro e volta pronto pra plantar amor de novo. Depois de alguns dias de “oi, tudo bem” e conversas menores, tomei coragem e pedi desculpas pra Gabi. Pedi desculpas pela distância que eu impus, e agradeci pela teimosia dela em não me perder, trocamos de lugar, e graças a deusa nos revezamos sem combinar! E te digo mais, pedi desculpas porque Bruna insistiu na gente. Bruna que nem conhece Gabi, e tampouco convive com Maria, mas que na nossa vez de estranhamento, insistiu em me chamar pro almoço, jantar, corrida, treino. Que mesmo quando eu tava ali me afogando sozinha, mandou mensagem mais de uma vez, não se afastou, seguiu plantando, e eu hoje percebo que essa é a relação mais valiosa que você pode ter com outra pessoa, essa que insiste mesmo quando você não se abre. Mesmo diante das suas limitações pequenas, suas desculpas, seus medos baratos. É o mesmo tapa na cara diário que meu marido me aplica com luvinha de pelica (e uma dose saudável de deboche quando a gente sai do caos e conversa sobre), porque ele sabe pedir desculpas, sabe dizer que errou, mas pra além disso, que me abraça mesmo quando sou eu quem deveria pedir desculpas, mas não sei como. Que pausa uma briga antes dela começar, porque sabe que não vale a pena, mesmo eu querendo tacar fogo em tudo por causa de comida de cachorro, literalmente. Eu não deixava nada passar, como se a menor possibilidade de me calar diante de um incomodo fosse me levar imediatamente à Thamires de vinte anos que se calava pra todo abuso feito em relações tenebrosas, mas o passado merece ficar lá, e quem eu amo merece espaço pra que eu deixe passar o que não vale a nossa relação. Estar nesse casamento me lembra que existe uma pessoa que insiste em lutar por nós, e isso me dá fé no mundo, em mim, em outras pessoas que amamos. É ser nutrida desse afeto, de quem me deu espaço pra errar, que eu cresço e percebo que preciso ter a mesma generosidade em todas as minhas relações.
Engraçado, porque eu passei a vida achando que era ou 8 ou 80? Ou as pessoas são perfeitas, ou não lido. Aquela máxima “amizade boa é a que não pede manutenção”? O que diabo é isso? Se a sua casa pede manutenção, suas roupas, seu carro, quem dirá as suas relações amorosas!!! Nada mudar com o passar dos anos é diferente de não exigir manutenção. Em algum momento todo mundo já sentiu isso, já abandonou uma relação porque cansou, porque a pessoa errou, porque a vida dela se tornou muito pra você lidar, ou quem sabe até pela distância silenciosa que não recai sobre ninguém. E muitas vezes não existe culpado, não tem atrito, as coisas são apenas difíceis. Porque tanta projeção nas nossas relações, como se não tivesse espaço pra ninguém falhar, quando a gente é marcado pela incapacidade de ser perfeito? Essa conta não fecha e esse é um peso gigantesco pra ser partilhado entre pessoas que se amam. Olhando pra trás, valorizo quem me deixou digerir tudo isso sem me abandonar. Quem me escolhe todo dia apesar das falhas, mesmo as pequenas como não retornar uma ligação no mesmo dia. Quando foi que você perdoou a ponto de não pensar mais, de não levar isso pra cama, de nunca mais permitir que isso volte pra mesa? Tudo vai, nós ficamos.
Se você tem relacionamentos longos, vai passar por períodos estranhos, e só sobrevivem os que se dispõe a amar e enxergar o outro com as suas imperfeições todas, os que perdoam as sombras e valorizam a luz, porque a vida por si só já bagunça a gente com intensidade, não dá pra todo mundo se bagunçar ainda mais! As vezes são fases duras, que a energia vai inteira na sobrevivência do agora. A casa que precisa de cuidado, o trabalho que tá pesando demais, os pais envelhecendo, o parceiro em descompasso, os filhos trazendo muitas preocupações. E nem sempre cabe tudo em todo lugar. Algumas coisas a gente guarda, digere, respira. Eu agradeço pela lição, pela insistência de quem eu tentei afastar quando me afogava, pelo amor que as vezes se parece mais com o incondicional que me venderam, do que com aquele que eu aprendi a conviver, que sem “andar na linha”, desaba. Ser amada com toda a sua incapacidade de lidar com tudo é saber que a falha não corta como navalha.
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Beijos e até depois!
Para levar tudo a sério nesse texto.
Um beijo
Ressoou 🥰 incrível!