Como se constrói afinidade, bem querer, compaixão? Onde na gente cresce o olhar generoso pro outro? Aquele que torce, aplaude, vibra junto e não contra? Em qual segundo entre eu e você, decidimos ser nós contra o mundo e não arqui inimigas, juradas de morte pelo inconsciente sempre presente? Ainda é possível desenvolver afetos livres do ciúme, da competição ou da arrogância do nosso próprio ego?
Me pergunto isso no meio de um desafio de vinte um dias com dezenas de desconhecidos. Enquanto te escrevo, estou sentada na minha bike alugada, batendo uma hora e meia de cardio pra me manter no topo da competição. Minha nutricionista querida perguntou o que eu achava de fazer um desafio de três semanas, malhando e seguindo minha dieta todos os dias, e eu topei. Topei porque você sabe que eu sou louca por desafio, te contei na saga da meia maratona. Pra ser bem honesta, eu pilhei a nutri e espalhei pros quatro ventos, em busca de companhia pra ser louca por três semanas. Um grupo de cem pessoas se formou via WhatsApp, o que pra mim, a primeira vista, parecia um convite pra chatice: não conheço ninguém, não sou de papinho furado, o que vamos fazer lá? Cuspir pra cima é meu sobrenome nesse desafio. Todo mundo tem o mesmo objetivo comum: passar esse período focado em dar o melhor de si pela saúde. E aqui cabe a busca de saúde particular pois cada um atravessa um momento singular: tem gente querendo ganhar o prêmio de perda de kilo na balança, quem malhou mais, quem seguiu a dieta a risca, e por ai vai. Pouco importa o objetivo pessoal, essa galera toda resolveu, em plena segunda feira, ser suporte pra quem vive se sabotando, com preguiça ou que não sabia por onde começar a reservar um tempo pra si na rotina. Em poucos dias me vi torcendo pra Fabiana, minha nova amiga virtual, me ganhar no ranking, porque ela é um exemplo de mulher que pegou as rédeas da própria saúde e resolveu colocar a vida em 180 graus em 3 meses, e isso inspira muito. Sabe quando você genuinamente bate com o santo da pessoa? Tece um carinho mesmo sem conhecer nada? Eu não conheço muita gente com tanta força de vontade ou disciplina como tantos desse grupo. E ali cabem tantas histórias, todas de superação à sua maneira, porque o verdadeiro desafio é não transpor as responsabilidades da vida adulta antes da nossa saúde. Ninguém se encontra movido pela ilusão desenfreada que vamos emagrecer 10kg em três semanas, mas pela certeza de que a energia de quando buscamos ser uma versão cada dia melhor é contagiante pra todos ao redor. Observar a vontade de outro desperta em você a constatação simples de que essa força existe aí dentro também.
Em que momento entre nunca os conhecer eu desejei que eles tivessem sucesso? Que ganhássemos todos na mesma pontuação, porque vencer junto é mais legal ? Onde foi que alguém que eu não conheço me lembra a cada vontade de comer um chocolatinho, que o sucesso dela pode, de alguma forma, estar atrelado ao meu porque juntas no mesmo propósito tudo se move com mais força? E como isso é pequeno, porque estamos falando de mover o corpo ou de controlar as nossas emoções ao invés de descontar na comida. Imagina o que acontece com o nosso cérebro quando estamos ao lado de pessoas que atravessam grandes obstáculos? O meu questionamento foi: se isso acontece de forma genuína num espaço criado pra conexão entre absolutos estranhos, porque tantas vezes isso não acontece em ambientes profissionais, familiares ou até de amizades longas, onde investimos meses nessas relações? O que é a ameaça ao ego que muitas vezes nos afasta do afeto, pela mínima chance de perder um título que inventamos pra nós mesmos? Falo isso sabendo que todos nós já perdemos um colega de trabalho porque um ganhou a promoção e o outro não. Ou a BFF que não suportou te ver com uma amiga nova e, por medo, se afastou. Quem sabe até a mãe narcisista incapaz de celebrar a sua personalidade e que se transforma numa competidora desleal que tudo copia? Se cabe tanto na gente, a ponto de transbordar, porque a gente segue mesquinhando o amor? Será que sabemos mesmo o que é o amor?
A nossa grande ilusão é acreditar que as relações são uma busca superficial por interesses comuns, convivência pacífica e troca leve. Procuramos no outro a completude daquilo que nos falta, mas que esquecemos que falta em todos. O outro traz consigo bagagem, desamores, uma percepção de afeto construída na infância com ausências, assim como nós mesmos. Ninguém cresceu sem ter excesso ou falta! A nossa incompletude incomoda, rasga o peito. Lidar com ela é um mergulho que corta o oxigênio, nos tira a razão. Entender porquê sentimos o que sentimos, o que projetamos, o que é real, o que falta de verdade e o que sobrou, é uma jornada solitária, porque cada pedaço faltante é singular, só encaixa em nós. Somos sozinhos, mas isso não significa que não somos amados, queridos e desejados nessa nossa incompletude. Tentamos compensar no amor, dando tudo aquilo que os fará acreditar que somos bem resolvidos, superiores ou simples, quando no fundo o amor é abarcar tudo aquilo que falta, que não pode ser compreendido e muitas vezes que não pode ser transformado. É entender nossa incapacidade de entendimento daquilo que não alcançamos e aceitar navegar no silêncio do que não sabemos nomear, no nosso íntimo e no do outro.
Eu aprendi duas coisas completamente antagônicas ao longo da vida. A primeira delas é que o amor é incondicional. Esse aprendizado foi verbal, dito repetidamente como se dessa forma ele fosse se materializar como um feitiço. Foi na vida adulta que entendi que se existe um sentimento condicionado, o nome dele é amor. Quantas pessoas na sua vida deixaram de te amar porque você falhou? Porque foi imperfeito, infantil, cheio de inseguranças? Todo ser humano acumula sua porção generosa de pessoas que se foram, faz parte da vida, invariavelmente. Porque o amor pode ser incondicional, mas genuinamente não o é. Amamos o que conseguimos entender, sustentar, moldar. Talvez você esteja aprendendo a deixar de condicionar o seu amor. Talvez as idas e vindas da vida adulta tenha te apontado pra realidade transparente: somos muito imperfeitos, e mudanças são difíceis, dolorosas e as vezes insuportáveis. Amar o outro quando enxergamos os seus defeitos é um desafio tremendo, porque ainda não conseguimos nos amar do mesmo jeito. Não com facilidade, não com rapidez.
Então amor incondicional é uma escolha? Ou é o amadurecer da percepção que temos do outro? O medo da solidão nos move em todas as direções possíveis. Ele é capaz de alimentar um abismo entre colegas, irmãos, marido e mulher. Antes do amor crescer, a gente alimenta a admiração, o respeito, a inspiração que o outro nos comove. Somos movidos pela imagem que construímos, mesmo que em algumas relações isso signifique perseguir essa construção ilusória até aprender a separar o que se é, do que se inventou. Já diria a rainha Marília Mendonça “me apaixonei pelo que eu inventei de você”. Que nada mais é que a constatação consciente de que te enxergo como a possibilidade de preencher a minha parte faltante. Não te amo primeiro pelo que você é, te amo pelo que imagino que você vá ser na minha vida. E quando percebo que as duas coisas são diferentes, coloco em prova esse amor que criamos nós quatro: eu, você e as duas versões que criamos pra gente. Somos capazes de fazer uma leitura mais sóbria e real? Sem dúvida. Na nossa melhor percepção e análise, sabemos quem as pessoas são, o que é essência, o que não muda jamais. Diferenciamos o que é hábito do que é personalidade, e ao invés de aceitar quem são, aceitamos a ideia de que podemos mudá-los, dessa forma mudamos também aquilo que dói em nós mesmos. Fazemos o trabalho impossível ao invés de abraçar a versão real de cada um de nós.
A segunda coisa que aprendi é que o amor acaba. As pessoas falam que ele vai existir pra sempre, mas amor também acaba, assim como tristeza, frustração, felicidade. Você sente alguma coisa de forma perene e eterna? Porque o amor seria a exceção? O amor preserva nele mesmo a história e o afeto construídos, mas é absolutamente possível que ele se encerre. Talvez ele deixe de existir no exato momento que conseguimos separar o que inventamos do que é real, mas seguimos amantes de tudo aquilo que vivemos durante os tempos de ilusão, como se essa versão tivesse existido de verdade, mas agora tudo mudou. Muitas vezes temos tanta dificuldade de desapegar dessa visão, que sofremos intensamente pelo luto de enterrar ela com o amor vivido. O amor que persiste, é esse amor que mesmo diante da revelação do outro, resolve estar presente nas imperfeições. É aprender a sentir o tão desejado amor incondicional.
Então onde se constrói afinidade, bem querer, compaixão? Onde é que na gente cresce o olhar generoso pro outro? Aquele que torce, aplaude, vibra junto e não contra? Em qual segundo entre eu e você, decidimos ser nós contra o mundo? No amor. Não o amor romântico ou ilusório. No amor como a possibilidade de saber que podemos enxergar o outro com humanidade, o tempo que isso durar. Não preciso viver na sombra das minhas próprias projeções se escolher me esforçar pra enxergar as pessoas como elas são, porque me comovo pela grandeza que é ver no outro tudo aquilo que brilha e também que falta. Sem querer ser igual ou melhor, simplesmente porque o amor me permite enxergar pra além do ego. Acontece todo dia? Não, tem dias que somos só ego e arrogância, tem dias que o contágio do medo e da solidão batem mais forte. Já percebeu como é mais fácil fazer isso com completos estranhos? Como sem a expectativa temos os pés mais fincados no chão, e não começamos a relação já com uma alta dose de imaginação e desejos? Como seria se tentássemos os mesmos com as profundas relações que já tecemos?
O amor cura porque insiste em construir versões da mesma pessoa, um prisma imperfeito com facetas diferentes que vamos aos poucos preenchendo. Ele é o caminho pro querer bem, mesmo que muitas vezes a gente não se conheça, ou se reconheça, profundamente, a ponto de escolher abraçar os defeitos, já que também somos recheados deles. Quero ver mais a vida pela ótica do afeto que aceita, o que não combate, mas recebe as pessoas como elas são. Entendendo que todo mundo tem dado o seu melhor, inclusive sua família ou aquela amiga que se tornou uma pentelha. Eu mal tenho forças pra mudar em mim tudo aquilo que não gosto, que sei que precisa de crescimento, quem dirá dedicar tempo e energia pra obrigar o outro a mudar pela minha percepção falsa de quem ele é. É a falta que as vezes grita e faz a gente julgar tudo e todos pelo medo da solidão, e nessas horas só o perdão aponta o futuro dessas relações. Como não sou perfeita, preciso me manter generosa no meu olhar pro outro e assim me abro pra novas tentativas de me conectar de verdade com quem também não quer se sentir sozinho diante de tantas faltas. A ironia? Ser generosa com os outros te faz ser mais generosa consigo, e as vezes a gente percebe que não precisava ser tão dura nessa vida. Também preciso ser eu mesma sem inventar novas versões.
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Beijos, até semana que vem!
Te indico de olhos e ouvidos bem abertos
Comida Além do Prato
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eu comecei a ler rindo um pouco lembrando que nessas competições de tempo de exercício que entrei com um grupo do início do ano eu e mais uma sempre estávamos entre 1 e 2. Dessa brincadeira de uma ficar puxando a outra pra vencer a gente acabou virando super amigas - e que até hoje ficam no pé da outra de não fazer checkin do gymrats
e acho tão bonito essa fala sobre o amor mais real, que a gente fala tanto mas esquece de colocar essa luz que envolve conhecer mesmo a pessoa com todos esses aspectos que tentamos florear ne
Gente! Que maravilhosa! Entrei pra ler e tem meu nome aqui e fiquei emocionadaaaa!
Simmmm. Eu santo bateu com o seu desde o primeiro dia e por isso eu falei pra tu: só aceito perder pra você kkkkk porque no meio do desafio eu torcia por mim mas mais por você 😂😂😂💪🏽💪🏽💪🏽 obrigada por ser acolhimento, inspiração, força e apoio. Não só nos 21 dias mas pra sempre ! Pq aqui você ganhou uma amiga e fã! 💪🏽😍🔥🫶🏽