Igual todo mundo ou diferente dos demais?
A dúvida entre se mover no silêncio ou no barulho.
Vivo um eterno dilema em minha vida, nesse mundo moderno digital: guardar pra mim mesma meus pensamentos, descobertas e vivências, ou dividir com as pessoas ao redor, que me seguem, em redes sociais, um pouco da minha visão de mundo. Esse dilema por si só me incomoda, por já ter impresso nele a presunção de que a minha visão é interessante ou importante. Acontece que desde que me lembro por gente, sou essa pessoa que partilha da caminhada. Quando Instagram e Tiktok nem existiam, eu escrevia um blog sobre morar sozinha longe de casa, aos dezoito anos. Entre tristezas e histórias cômico-trágicas, meus pais, irmãos e amigos acompanhavam meus dias como um diário de bordo. Percebo olhando pra trás que minha vida foi marcada pelo desejo da partilha, em esferas diversas mas sempre constante. Natural que diante da possibilidade das redes, eu seja ativa ao falar de dicas, pensamentos e outros devaneios diários, mas me peguei pensando nesse narcisismo, no tamanho do ego que infla a cada like ou resposta, na necessidade de se provar, escrever essa news é por si só uma busca pela identificação de outros, sei disso e não tenho vergonha da honestidade das minhas palavras. É uma análise rasa, mas estamos todos falando sozinhos na tentativa de sermos reconhecidos pelo mínimo: a nossa existência. Vale lembrar, a felicidade da nossa existência, porque como diria Leandro Karnal “uma das cafonices do mundo contemporâneo, todos são obrigados à felicidade”. Não existe espaço pra infelicidade, ela causa vergonha, ela carrega em si um fardo pra além da tristeza: você não é alguém pra se inspirar.
Se lembra dos tempos líquidos? Eles deixaram buracos a serem preenchidos. Se tudo é superficial e efêmero, se as pessoas já não se dedicam mais às relações e descartam umas as outras sem pensar, estamos todos à deriva em busca de afeto significativo. Aquela troca que nos lembra da alegria de não estarmos sozinhos na travessia da vida. E esses buracos podem ser facilmente preenchidos com o que? Atenção passageira, likes, interações rasas, aprovação de desconhecidos. E aí me faço o questionamento: até onde eu faço o que faço pela vontade do meu consciente, e o que exatamente eu faço movida pelo desejo de ser aceita, notada e reconhecida? O mais difícil desse devaneio, é que ele só é respondido pelo tempo, onde eu consigo distinguir quem eu sou, da minha vontade de ser aplaudida por quem não me conhece, pra preencher o vazio das minhas relações da vida real, das quais eu tenho pouco tempo pra nutrir por estar preocupada com os boletos desnecessários, que existem pra que eu me encaixe no perfil mais aceito e mais amado do meu círculo social. Quando percebo a roda do hamster, sinto uma necessidade gritante de pausar tudo pra dar sentido real às minhas movimentações. E nisso percebo um caminho pra autenticidade, mas também percebo que existe constância na minha inconstante presença digital.
Em um mundo com oito bilhões de pessoas, não tem nada de tão especial em fazer uma receita de pão do zero, mas se deixando levar por esse pensamento, tudo que fazemos e sentimos já foi experimentado antes, nada é especial e o sentido da vida se reduz. Apesar desse número estrondoso, somos absolutamente únicos, e isso faz sim cada um de nós um portal pra uma visão singular da vida. Se somos tão diferentes entre si, porque a insistência em parecer igual? De onde sai o desejo profundo de pertencimento pautado pela semelhança? O que tem no outro que é tão fascinante a ponto de perdermos a noção dos desejo íntimo que habita nosso coração? Estamos sendo repetidamente condicionados a acreditar que existe apenas uma fórmula pra se destacar na multidão, que é usar uma ferramenta que funcionou pra alguém e aplicar a si mesmo. Analisar a trajetória do outro e passar da admiração à autópsia, daquilo que nós julgamos ser o fator X que faz aquela pessoa ser interessante. Nessa obsessão passamos a perceber o outro como uma potência e a nós mesmos como inferiores. Usamos a autenticidade alheia pra observar a vida com os nossos olhos, um filtro que se coloca diante do mundo que o transforma, não no meu mundo, mas no mundo de outrem pelos meus olhos, se é que isso é possível de alguma maneira.
O mais triste de buscar a autenticidade nos dias de hoje, é perceber que ela também foi mercantilizada como um conceito que te destaca dos demais, te impulsionando a maiores resultados. Uma ferramenta de conexão pra que você alcance mais pessoas, seja ouvida por mais gente e venda mais o seu ponto de vista, o transformando em produto e garantindo os louros imaginários do reconhecimento digital. Se tudo é subproduto do ego, qual a imagem verdadeira de nós mesmos? Substituímos as experiências verdadeiras por uma versão maquiada, até que se tornem imagens irreais de felicidade e realização profunda. O maior respiro vira a pausa, onde estão os momentos não instagramáveis, dos quais não preciso posar ou enviesar com história bonita pra mostrar em redes? Eu sou quem eu sou, ou a imagem que criei de mim mesma, em uma curadoria cuidadosa pra terceiros? A felicidade não é mais o sentimento em si, e sim a possibilidade de produzir provas da sua existência em nossa vida. A qualidade da sensação depende da qualidade das evidências desse produto que eu criei, pra que você acredite que ele depende de tudo aquilo que me cerca e que agora você atrela a sua própria alegria de viver, que só vai acontecer com a mesma roupa, o mesmo carro, os mesmos colares. Se eu pauso, se eu desisto de alimentar meu ego digital o que sobra? O vazio de tudo aquilo que vivi mas não postei, e talvez esse seja o maior medo de quem partilha pela alegria de dividir mas não de receber aplauso, será mesmo que estamos acima disso ou é só mais uma mentirinha que a gente conta pra gente mesmo na tentativa de não se enquadrar nesse papel?
E nesse devaneio infinito, qual o problema de desejar reconhecimento? Se o ser humano depende que alguém o enxergue, é tão ruim assim querer se sentir diferente dos demais, mesmo com a consciência de que não somos iguais? O paradoxo se estabelece. Até onde a partilha do outro te inspira, te toca, te move? E até onde a sua partilha é movida pelo desejo de transbordar e não de imitar os demais? Tudo bem se autorizar a ser o melhor pra si mesmo e não pro outro. Não tem resposta certa, não tem prova final pra passar de ano, mas é inegável que o maior ganho possível é se mover pelo que transforma a sua realidade e te conecta cada dia mais com a felicidade, só não se esqueça que se adaptar pra pertencer não é sentença digna de quem veio pro mundo com todo o potencial de expandir e crescer. A sua melhor versão é aquela que te leva a transbordar a sua essência, e isso independe de outras pessoas, de palco, de aplauso. Ser quem si é basta, amor verdadeiro se sente no abraço e estar em sintonia com a vida que te cerca é todo tesouro disponível. Você foi feito em cada detalhe da sua existência, pra ser absolutamente único e diferente dos demais. O que mais te resta se não abraçar a beleza da sua singularidade? Partilhar ela. E isso pode sim significar postar uma foto ou vídeo, salvar uma memória de um dia gostoso, romantizar seu café da manhã, se orgulhar de feitos grandes e pequenos, guardar a vida imensa em doses pequenas e online. O importante é ser movido pelo que te deixar em paz, inteiro, feliz. Sem a comparação, sem a necessidade da validação, sem que a sua vulnerabilidade vire cabo de guerra na mão de desconhecidos.
Celebrar a própria existência é diferente de condicionar o sucesso ou a beleza dela às pessoas que te acompanham, ou a necessidade de produzir provas constantes pra validá-la. Penso logo existo, não é posto logo existo.
Eu mesma não vou guardar nada pra mim. Sinto muito, pode chamar de egotrip, pode ligar pros haters. Eu sou muito pra minha própria mente, preciso transbordar e acho nos meus hiatos os caminhos pra ouvir a mim mesma e abandonar a influência de quem me rodeia na esfera digital. Eu amo ser absolutamente aleatória, comunicativa, questionadora e curiosa! Gosto de partilhar por mim, e depois de dez anos de redes sociais, ainda aprendo a não me medir pelos números alheios. Inclusive, as coisas que mais gosto de partilhar são as que menos causam retorno de qualquer tipo, eis a ironia. Acho muito legal conectar as pessoas, falar pelos cotovelos, escrever o que sinto, filmar o que vejo, fotografar memórias. Semana passada não te escrevi por aqui, porque esperei de Deus um sinal pra saber se eu deveria me calar ou prosseguir, as vezes tenho dessas. Bom, Ele não me mandou um recado na caixa postal mas a minha fisioterapeuta moveu oito músculos da minha garganta pra que eu pudesse voltar a falar, e ao final da sessão falou que se eu não abrir a boca, vou morrer de uma implosão súbita, risos. Não queremos isso, então te vejo semana que vem por aqui, te vejo todos os dias nas minhas redes sociais, te vejo nas ruas de Brasília, te vejo na energia boa que se move silenciosamente por nós.
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Beijos, seja seu guia. Até segunda!