Essa newsletter chega atrasada no seu e-mail. Eu tirei férias! Sete dias ininterruptos onde eu simplesmente não trabalhei. Respondi meia dúzia de mensagens? Sim, mas o mais importante de tudo é que eu deixei dezenas delas sem respostas, não senti a minha velha amiga ansiedade e percebi mais uma vez que a urgência está naquele que permite, ao invés de nas coisas de fato. Meu trabalho é 24/7, não tenho pra onde fugir, não existe saída a não ser sair desse ramo, ou ditar o compasso dos meus próprios passos. O ciclo começa devagar e quando percebo já elegi tudo como urgente porque o barulho das pessoas é alto demais. A verdade é que tudo que importa pra gente soa como prioridade, mas verdade seja dita, pouca coisa verdadeiramente é. Eu não preciso de muito pra me esquecer daquilo que me move verdadeiramente, porque não é possível viver sem pagar as contas, e sobreviver no final do dia sempre parece urgente. Só que sobreviver não pode ser apenas pagar os seus boletos, trabalhar e ceder pros limites. Tampouco é dizer sim o tempo todo pra tudo que aparece. E eu sei que você revirou seus olhos e pensou “isso é óbvio e eu não faço nada disso”, mas a gente faz. Inclusive, se você tem filhos ou convive com crianças, você sabe muito bem que eles as vezes ganham na insistência. Já vi adultos muito inteligentes e capazes, abandonarem tudo por não quererem lidar com a dor, pressão ou incômodo de alguém insistir em algo. Quantos divórcios acabam com uma das pessoas largando tudo pra trás? Quantas sociedades terminam com um dos sócios desistindo de lutar? A gente se cansa da dor e da insistência. Entrega os pontos achando que isso vai trazer felicidade, mas não vai.
Tudo que ouvi nos últimos dias foram os meus dois sons favoritos da vida: as ondas do mar e a palavra “mamãe”. Fiquei mais tempo calada do que tagarelando. Guardei alguns trejeitos importantes das pessoas que eu amo. Li dois livros inteiros em dois dias como se a minha vida dependesse do final daquelas histórias. Pensei comigo que se eu tivesse que viver apenas com a mala de mão que levei, seria o suficiente pra ser bem feliz. Uma havaiana, uma sandália de dedo, meia dúzia de colares coloridos, creminhos de rosto só levei um e esqueci o resto, três óculos escuros foram o ápice do luxo e o restante era biquini, pantalona e duas saídas de praia. AH! Duas camisas de linho e acabou. As roupas entre si combinam, um dia a calça branca com a camisa listrada, no outro a camisa branca com a saída amarrada por cima como se fosse saia. Uma bolsona gigante com protetor, toalha, meu kindle e claro: minha câmera! Por motivos de força maior levei meu caderno de pintura e umas acrílicas que eu queria ter aproveitado mais mas era tão bonito de ver meu caçula fazendo seus castelos de Gaudí que só usei elas quando o mais velho quis pintar comigo no meio de um bar ao som de Gal Costa.
Penso que a vida poderia ser a simplicidade encarnada na terra, mas não existe nada mais complexo que andar por ai carregando tantos sentimentos antagônicos pela areia. Desejar o simples mas entender que não é possível viver de comida comprada e sem geladeira, ou que uma hora as roupas precisam ser lavadas e uma máquina de lavar ou tanquinho será necessário. Impossível ignorar o fato de que sou incapaz de ensinar química pros meninos ou educar formalmente essa dupla que insiste em indagar sobre a formação do mundo. Sonhar é simples, ser feliz é simples, desfrutar da vida na pureza que ela nos entrega é simples, todo o resto não. Todo o resto exige uma presença de espírito singular pra que ao se deparar com os novos modelos de biquinis você se lembre que só tem um corpo pra usar. A gente insiste em querer tudo que não precisa, de buscar impressionar quem não liga, de parecer o que não é, e aí o mundo se transforma em uma caminhada na areia fofa, dessas que você afunda o pé e se cansa fácil. Falta fôlego pra carregar tanta vontade de nada, é exaustivo lutar contra a maré. Não adianta tu nadar sem entender o ponto de chegada. Pra onde você ta indo? Pra onde você quer ir?
Voltando no avião senti que era fácil pegar a senha da Wi-Fi, responder os grupos de trabalho, sentir o ritmo de sempre, inflar o ego com a capacidade de resolver os problemas dos outros mas a verdade é que sempre vai ser uma escolha e eu venho aqui lembrar a gente disso. O tempo tem a cadência dos passos que a gente insiste em dar. Não quero a wifi ilimitada do voo, prefiro me jogar em mais um capítulo do livro gostoso que me acompanhou nos últimos dias. Quero separar as fotos que vou imprimir da minha primeira viagem em família em anos, rever os vídeos dos sorrisos, agradecer ao universo pela oportunidade de viver as memórias inesquecíveis que eu sempre sonhei. O tempo do agora é generoso e quero muito viver nele. Quero me lembrar de como me sinto quando me deparo com o simples. Quero ir aonde cabe o sonho de celebrar a vida todos os dias. Onde é que você se perde no caminho? Qual a onda que te atravessa que te empurra lá pra baixo onde tudo é denso e você perde o caminho de volta? Pra mim é a responsabilidade de não deixar faltar nada pros meus dois filhos. É manter esse padrão massacrante da classe média onde tenho absoluta noção do meu privilégio mas estou ciente do abismo entre eu e os milionários que não deixam de dormir a noite preocupados com a fatura do cartão. São as contas do plano de saúde, da escola privada, do tênis caro de corrida, do skincare, até mesmo das compras ilusórias que “garantem” mais conexão comigo mesma como um livro pra escrever pelo que sou grata, entende? Onde está o equilíbrio entre estar feliz com o que tenho e buscar mais? Quero encontrar.
Volto com uma clareza profunda: quero ir pra onde me lembro de ser simples. Pra onde você quer ir esse ano?
Mas nada aqui é pra ser levado a sério né? Tudo não passa de um devaneio.
Beijos, até segunda, sem falta!